28 novembro, 2011

Com licença poética - Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.  Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.


21 novembro, 2011

Carlos Drummond de Andrade

Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor à procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa, amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.
(Carlos Drummond de Andrade)



12 novembro, 2011

Alguns poemas meus reunidos

Borboleta Lilás

Olho para as asas lilás
Arrisco sentir o que há aqui dentro.
Qual é mesmo o destino do vôo?
Certamente um vôo em liberdade.

A Fênix-borboleta estava no seu casulo
Recuperando-se da queda.
Tinha medo.
Mas o céu é azul...

Sou cúmplice dos caminhos
Dessa ave que insiste em se expor
E pintar de todas as cores o além do arco-íres

Tudo aqui anda a mil.
Sigo a música, a sabedoria da canção.
Sou então grata à vida, aos seus encontros.

Inicio um vôo de peito aberto, coração cicatrizado, vulcanizado.
Sigo as respostas que a arte me aponta.
Experimento o bater das asas.
Olho para a minha base, pai e mãe, meu ouro, minha mina.
Sou bem leve, leve e anseio o sonho
Até gerar o som.

Renata Moreira da Silva
(22 de abril de 2009)


Borboleta Lilás Florindo

A borboleta lilás engoliu um lírio
E assimilou ao seu tempo pétala por pétala da flor
Que desabrochou em seu íntimo.
Revelou-se forte em sua fragilidade;
Desmascarou a luz existente na sombra.

A borboleta já sabe voar,
Já explora e contempla os mistérios do céu azul
Ela sente que quer ainda mais.
Ela quer ser autêntica e poder dar mais.

Ela sente que o vulcão, fogo que existe dentro dela
Não queima as pétalas da rosa, seu fogo aquece e ilumina.

A borboleta lilás vai aos poucos arriscando viver tudo que sente
Sentir tudo que pensa, realizar tudo que sonha.
És muito grata ao céu pelo lírio lilás!

Agora a borboleta sente-se cada vez mais pronta
Para provar e quem sabe até pousar no potinho de pólen
E voar mais abastecida de amor,
Para Além do Arco-Íris.

Renata Moreira da Silva
(03 de Julho de 2009)


Quíron

Olho em meus próprios olhos
Vem silêncio, palavras e sentimento
Tento acolher com compaixão os pedacinhos mais tortos
           
Olhar para dentro é difícil
É preciso coragem para me assumir humana
Uma luta de sensibilidade e concha
Mas a curadora ferida ressurge das cinzas, sempre.
           
Um pequeno passo que dou em direção à mudança
E sinto mil passos de anjinhos do universo para mim!

Renata Moreira da Silva
(9 de Abril de 2010)